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Showing posts from September, 2021

Priscilla

      Ela me liga no meio da noite chamando para um programa com o Mets, e aceito num piscar de olhos. Vem me pegar de carona mas não passamos na casa de mais ninguém. Em vez disso dirigimos em silêncio, faróis apagados, sem outro carro ou pessoa nas ruas, só nós, e depois de quase uma hora ela diz algo.      “É lindo, não? Pessoas são o recurso principal na construção de cidades, mas é tão mais bonito sem elas”, fala quase para si mesma, sem tirar os olhos da estrada. “Dirigir a esta hora é como caminhar num museu vazio. Nada de artistas, guardas, visitantes; o único ruído sendo seus próprios passos. Você pode apreciar o trabalho da humanidade sem o fardo da própria humanidade.” Não respondo, mas consinto. Coloco a cabeça para fora da janela e sinto a brisa. Os postes de iluminação indo e vindo num padrão estrito; os prédios, lares, com pessoas dentro, agora somente um elemento daquele quadro. Ela põe uma fita para tocar, Bohren, meu favorito, e percebo ali seu intento. Naquele moment

Rosenrot

          Entro no banco para o exercício mensal do pagamento de contas, mecanicamente, perdido em meus pensamentos. Uma voz familiar indaga, levanto os olhos e não acredito na minha sorte. Rosenrot à minha frente. O nervosismo a fazendo morder o lábio inferior, eu tão surpreso quanto é possível num momento destes. Não dizemos nada, perdidos nos olhos um do outro. As lembranças de um passado de terror e intrigas, apagadas pelo tempo e que ressurgem de seus vestígios como uma atemorizadora onda e nos encharca. Ela está linda como sempre foi; a forma a que sempre me senti atraído. Sabe de sua própria beleza e porta roupas leves que deixam ver a alvura da pele nua. As ancas largas e a altura a fazem parecer uma amazona, e é isto o que é, uma Vênus amazona, Calíope guerreira que mata com graça. Podem-se ver as veias azuladas na pele exposta, junto a um curto pontilhado de sardas. As madeixas finas e rubras; agulhas que perfuram minha alma com a lembrança de quando as experienciei pela prim

people

 Being somewhere with people.  Listening to people.  Their noises  Footsteps, breathing, the distant conversations of indiscernible words.  Not white noise. People noise, corporeal dark noise, streaked by lightning.  Sitting where people sat,  Touching what people touched,  Breathing what people breathed.  Smell of people and sewage in the city streets  Smell of food and beer in the mouths of the people that                                                                      [just got out of that restaurant                                         The pungent and sweet smell of the lady that just entered the bus.  And when they’re all gone to their beds, I stay there.  Sitting where they sat,  Touching what they touched,  Breathing what they breathed.  But now there’s no people, only silence,  The immense castrophany of solitude.  Delight in memories,  In the ghosts of the people that where there but no more.  A space full of life with myself alone living, singing, screaming,  Running

cotidiano

[Essa versão está bastante datada (11/23) e permanece aqui somente para arquivo. O trabalho foi reescrito e virá de conjunto a um novo projeto.]      Há uma semana venho tendo este mesmo sonho, em que acordo, tomo uma xícara de café e ando até esta certa rua. Por ela passei uma única vez em toda minha vida e fazê-lo não precedeu qualquer momento importante, mas posso descrever com exatidão todos os prédios, o estado do asfalto e os carros estacionados naquela manhã em que os exper i enciei há mais de uma década atrás. A si l hueta dos exatos quatro transeuntes que passaram por mim poderia colocar agora no papel, e nos sonhos posso sentir seu chei r o tal como o fiz n o passado . Em nenhum outro momento dentro desta década que passou, tal memória tão vívida me ocorreu, mas agora estou presa a ela como n uma maldição.     Neste momento é  impossível discernir se estou sonhando ou acordada, pois o gosto do café amargo faz comprimir -me  a língua, posso sentir o vento esfriando meu rosto e