Untitled 08

   Não sei quanto tempo tenho estado nesta cama
   Vi o sol nascer e morrer pelas cortinas velhas
   E minha força de vontade continuar a mesma
   Meus olhos piscarem na mesma cadência
   E minha mente desistir finalmente de pensar 

   Meu coração murchou, mas está ainda prestes a explodir
   Foram duas semanas semeadas de tantos pequenos desgostos
   Inúmeras ocorrências de espontâneo remorso
   Sobre um lençol branco e dourado tão macio
   Onde me deitei em conforto imenso
   Cosido desta bizarra conexão entre nós e a montanha-russa de sentimentos pela qual passei

   Quando te vi naquela noite de estranha calmaria
   E te vi realmente, acima de tudo, sem o ruído do resto do mundo
   Senti que algo estranho estava acontecendo
   Pois quando pela primeira vez afastei seus cachos para ver seus olhos
   Soube que representava um perigo imenso para mim
   Pois era você toda feita de sentimento, de fogo tão vivo a desejar me queimar
   E eu não sabia então o quanto você me afetava
   Quanto nosso contínuo contato tornaria tão difícil ignorar meu próprio coração

   Então você segurou a minha mão
   E caminhamos juntas pelas ruas desertas
   Você tentando tanto me fazer ceder
   Enquanto eu me fazia do mais duro concreto para não me perder
   Derreter, derramar por sobre você
   Ainda caminhávamos lado a lado no seu caminho de casa
   Por mais que tentasse não pisar na sua trilha
   Mas quando vi você partir, e soube que não mais estaria ali
   Percebi que durante esse tempo todo estava seguindo atrás de você
   Que não sabia mais encontrar o meu próprio caminho
   Que estava perdida numa floresta conhecida 

   Andei por horas na garoa
   Sujando as botas de lama, pulando em todas as poças
   Repassando toda aquela noite de novo e de novo
   Pensando em todas as você que encontrei
   Imaginando todas as você que ainda vou encontrar
   Dando corda a uma delirante fantasia de futuro
   Com você, eu, e uma vida simplesmente feliz
   Cheia de amarelos e brancos e vermelhos
   Porém, quando finalmente pisei os pés no carpete da cozinha
   E descobri que você não estaria ali, ou em qualquer outro lugar conhecido
   Foi quando compreendi, com a pá na mão, o tamanho do buraco em que estava

   Não foi fácil pregar os olhos, descansar realmente
   Com todos aqueles pensamentos a invadir minha mente
   Então não descansei, apenas alimentei desesperanças
   Pois a tristeza reinou por entre as coisas boas todas que proporcionou
   E foi só quando disse que me queria ao seu lado mais uma vez
   Que pude respirar tranquila, entornar o café e ir correndo para te ver 

   Foi aí, então, que se deu o estopim
   Não quando te vi novamente, carregando uma carranca pelo mal recente
   Ou quando mal trocamos palavras pela distração que tudo em volta estava me causando
   Foi quando me dei conta de minha negligência
   Olhei para você abraçada a uma garrafa de vinho barato
   E senti uma rachadura brotar na armadura do meu coração
   Sua voz estava tão séria quando agarrou minha mão
   E perguntou se eu tinha gostado do seu amigo gay
   Eu disse que sim, mas que não sentia nada por ele
   Pois naquele momento, eu sentia por você
   Você sorriu, apertou a minha mão, e foi pular o muro 

   Enquanto descíamos em direção ao próximo evento que o destino iria proporcionar
   Você disse que gostava de mim, e foi como um sonho
   Eu sei, respondi, você já tinha me dito isso antes
   Mas sinto que você leu pela minha rudez, pois parecíamos enamoradas depois daquilo
   Cruzando os dedos, sentando em bancos, respirando no mesmo ritmo
   Porém, sinto que você estava esperando uma iniciativa
   E tudo o que teve de mim foi distância e superficialidade
   Pois quando nos separamos e deu espaço para suas loucuras
   Seu corpo se movia farrista, mas seus olhos estavam em outro lugar 

   Senti-me terrível, resolvi te abandonar de uma vez por todas
   E nunca mais teria me visto se, quando minha mente se voltou a você, não fosse correndo para te ver de novo
   Naquele momento já era outra pessoa
   Você tinha conseguido me transformar
   E corri e corri, cansada, derrotada, desesperada por perdão
   Não pude aguentar a ideia de estar no mesmo mundo que você e nunca mais te ver
   Cada segundo passado, cada esquina em que virava e não via você era mais um espinho a perfurar meu coração
   As lágrimas brotavam e imediatamente esfriavam
   Escorrendo congelantes por meu rosto
   Num movimento que não parecia eu, que não era eu
   Mas que carregava completamente tudo de mim
   E que era a forma mais pura de mim mesma
   De uma pessoa que acreditei ter morrido há tanto tempo
   E que estava ali, viva, respirando, e que não podia acreditar quando você apareceu através da praça, na rua de baixo
   Fui até você, agi como normalmente agiria
   E tive a honra de te observar de longe
   Feliz, nós duas, simplesmente felizes 

   Aprendi ali que gosto de te ver feliz
   Gosto de te ver ignorante aos fatos
   Ignorante ao próprio sofrimento
   Gosto de te ver radiando alegria
   Ignorando os caminhos da própria vida 

   Não acho que tenha adivinhado que voltei por você
   Que meu coração ficava palpitante com cada cena em que atuava
   E que queria você tanto, e já não conseguia mais me importar com forma
   Eu me sentia radiante ao seu lado, completamente apaixonada
   Pelo véu de pura fadiga você aparecia como salvação
   E pela primeira vez em tantos anos desejei ser salva 

   Voltando da gandaia, você sem salto
   Tão mais baixa que eu, era engraçado
   Disse que eu parecia um coelho
   Bonny Bunny Buss
   E apenas muito depois eu pude entender
   O que isso significava 

   Queria segurar sua mão novamente, mas me sentia insegura
   Queria olhar para você novamente, mas me sentia acanhada
   E sua falta de iniciativa, de uma sobriedade imensa de touro
   Fez-me sentir tão pequena e indefesa, tão submissa a você
   Que não consegui aproveitar, em verdade, esse novo estado de aceitação
   E tudo o que consegui fazer foi continuar assistindo você
   De longe, minúscula, profundamente impotente
   Eu, profundamente impotente
   Você conseguiu me deixar profundamente impotente
   Não conseguia mais pensar
   Não conseguia mais existir sem você 

   Você havia me dito que não conseguia ser a primeira a dormir
   Pois tinha medo do que poderia acontecer
   Mas confiou em mim quando usou meu colo de travesseiro
   Por mais que eu tivesse avisado que não dormiria naquela noite
   E foi-se para o mundo dos sonhos, dormindo não como um anjo
   Ou demônio, ou qualquer coisa que o valha
   Mas dormindo como você
   E pude mais uma vez afastar os cachos de sua face
   Para vê-la em pleno esplendor, por horas
   E não mais te vi como perigo, pois este já havia passado
   Agora te via como a mais bela garota no mundo inteiro
   E chorei por todos os momentos em que falhei contigo 

   Escrevi uma carta, me apoiando em seu ombro
   E tentei despejar nela tudo aquilo que estava sentindo
   Uma carta escrita como um pedaço de mim, para você
   Em toda vontade e em toda cobardia
   Expondo tudo aquilo que realmente sou, e estava sendo naquele momento
   Sem me preocupar com o efeito que iria causar
   Apenas amando desesperadamente
   Aquilo tudo descendo como lava pelo lápis
   E queimando minha garganta, tentando forçar a saída
   Mas não queria te acordar assim tão de surpresa apenas para dar voz a meu coração
   Pois estava tão cansada, tão serena em seu profundo descanso
   Então continuei a escrever, e vi o céu branco apontar pelo vitrô
   Antes que soasse o alarme e você acordasse realmente 

   Havia me acalmado, então, com o alívio que traz uma carta de amor
   E te vi despertando tão humana, com nada de graça ou realeza
   E soube que meu coração estava certo
   Soube que você era mesmo tão linda
   Soube que você tinha mesmo tudo aquilo que imaginei para você
   Pois estava magnífica
   Apagou-se a luz, nos tornamos sombras
   E novamente me senti pequena
   Você se dispunha com tanta clareza em minha frente
   Eu senti novamente falhar e perder o fio da meada
   Não sabia o que fazer, ou como fazer, pois você tinha controle completo sobre mim e não sabia
   Palavras voaram, provérbios, sussurros
   Peguei sua mão, para brincar com seus dedos, e senti medo
   Não podia mais imaginar, você era tão real
   Lembrei do remorso que devia sentir, fiz o meu melhor para ignorar
   E então, olhei diretamente para você, vi sua silhueta negra contra a luz gélida
   E perguntei o que aconteceria a seguir
   Como seria o futuro a partir dali?
   E você simplesmente disse
   Eu não sei 

   Por que você é assim, Rosa? Por que eu sou assim?
   Vai tudo voltar ao normal agora?
   O que vai acontecer adiante?
   Será que quando te vir novamente ir embora
   E eu mesma ir embora
   Vou voltar à estaca zero?
   Precisava da resposta que você não me deu
   E meu coração sumiu, deixando um oco no meu peito 

   Fomos juntas novamente, lado a lado
   Eu não mais me importando em te seguir por sua própria trilha
   Mas falhando em tudo o que podia falhar
   Você me disse adeus, eu fiz o mesmo
   Seguimos nossos caminhos
   Você desbravando o seu
   Eu completamente perdida no meu, desejando o seu
   Sozinha
   Sozinha novamente
   Sem você 

   Não consegui trabalhar, você não saía da minha cabeça
   Tentei descansar, me alimentar, respirar
   Mas é difícil se acalmar numa situação dessas
   Ou ter qualquer apetite
   Ou respirar algo que não seja o seu perfume docemente enjoativo
   E lembrar de você novamente, e rememorar esse pouco tempo que passamos juntas
   Dormi, no entanto, sonhei com você
   Acordei no meio de um mar de nada
   E descobri que você não estaria lá de forma alguma 

   Fragmentos daquela carta ocorrendo a mim como memórias de uma vida passada
   Senti que tinha sido crua demais
   Senti que havia amado demais
   Senti que estava em perigo
   Senti meu corpo paralisado sobre a cama
   Senti pânico, profundo e mortal
   Senti que não havia ninguém ao meu lado para me acalmar
   Senti que aquele não seria um bom dia
   Em crise, senti o quarto congelar
   Os olhos nas paredes a me observar
   As vozes de pessoas invisíveis a me julgar
   Os grilhões prendendo meus braços e pernas ao concreto
   Apertando até quebrar os ossos
   Lágrimas jorrando sem parar
   Uma mordaça me impedia de arrancar fora minha língua
   Era uma punição, pois falhei mais uma vez em simplesmente ser feliz

   Quando acabou, você ainda não estava lá
   O dia devia estar lindo lá fora
   Descobri que meu corpo ainda não se movia
   Estava no fundo do poço
   Não comia há dias, aguardando
   Até meu corpo começar a regenerar
   E se acostumar àquele sentimento de vazio
   Não havia mais nada dentro do peito
   Não havia mais nada dentro de mim
   Só você de vez em quando, de visita
   Mais uma tentativa de te alcançar
   Mais um ato falho
   Você deve ter desistido de mim
   Pois sei que eu o havia feito
   Ou talvez esteja esperando uma luz para dar o próximo passo
   Pois sei que eu não saberia o que fazer estando em sua posição 

   É um novo dia, meia-noite de quinta-feira
   Ainda nada de você
   Não sei mais o que dizer


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