Manhã de Marte
[Essa versão está bastante datada (11/23) e permanece aqui somente para arquivo. O trabalho foi reescrito e virá de conjunto a um novo projeto.]
Manhã de Marte
Sol só de prelúdio
Céu de um azul imaturo
Sentadas no banco respiramos
[o que há de mais puro no ar daqui:
A brisa gelada
Que não se deixa sentir o mau-cheiro.
Caminha um minuto
Descansa três
Enquanto os outros continuam
Cheios de proteína e cafeína
Energizados e enérgicos
Alguns homens sem camisa
Umas mulheres só tapando o sexo
Vovó tivesse aqui diria:
— Que bando de sem-vergonhas!
Vovó não está aqui
Nem vovô, nem titia
Não tenho gente pra visitar
E nem quem venha visitar a mim
Mas tenho sempre essa extensa gama de estranhos
Pra ficar vendo passar
Os sem-vergonhas
Vimos passar um velhinho
Senhor de idade a correr
Como estivesse na São Silvestre
Cabelos brancos, clavícula como de mulher
Músculos todos murchos
Ossos todos bem visíveis
Mas disposto a correr, como possuído
Mesmo sem ninguém para ver
Correndo por si mesmo
Há mendigos também
A se misturar com seus vizinhos
Dos apartamentos, dos escritórios
Nenhum deles corre, sem ânimo
Só vão arrastando os pés
Rumados a lugar nenhum
No pescoço de um deles uma placa:
“JESUS VEM”
Escrito em letras grandes e vermelhas
Sobre madeira, parece sangue
Volto-me ao caderno, vou anotar
Priscilla bate com o cotovelo
Diz: olha lá
Olho e vejo, juro, deus-mulher
Figura divina, de tudo o que sempre quis
Desfilando com aprumo, elegância
Naquela passarela rachada demais
Para ser própria à ocasião
Ela caminha e eu derreto
Como fosse em sonho
Os quadris rebolando para lá e para cá
Numa naturalidade que eu queria ter
Ritmo permanente(mente), hipnótico
Ah! meu deus — essa mulher!
Está mais perto tanto ela
Quanto meu coração de rebentar
Portando de uma magnífica juba
Escarlate, cor de sangue
Refletindo luz em paixão pura
Descendo-me em desespero
(Cassiopeia!)
O nariz adunco, os olhos grandes
Pareciam verdes quando primeiro os vi
— depois cinza —
O rouge nada além do batom vermelho
Na mão direita o terço de contas
Passa por nós, reduz o passo
— Bonjour, mes demoiselles
E respondemos em uníssono,
— Bonjour, madame
— À demain, mes filles
E se vai, tão rápido quanto veio
No mesmo passo de elegância
No mesmo rebolar dos quadris
Eu na mesma paixão temporária
Pronta pra morrer já daqui a pouco
Cidade esquisita, diversificada
Passa uma skinhead
Vestindo preto como se se preparasse
[para matar os colegas de classe.
— Olha lá, parece você — diz Priscilla
Bald head girl
No one’s girl, stoic girl
Only fucks fine foreign girls
— Meu cabelo vai crescer de volta, te digo
Voltamos a andar
Desta vez pelo caminho de casa
Olhando a grama morta
As árvores novas
Os prédios antigos e quebrados
O sol a iluminar algumas das nuvens
Como alvejante, as faz brancas
Branco cor de nada
Branco depressivo
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