um sorriso torto
Eu estava no ponto de ônibus após um dia terrivelmente cansativo. Tinha caminhado muito, resolvido muitos afazeres, não comi nada e meus níveis de estamina decaíam para números negativos. A enxaqueca me matando como de costume, e as luzes dos faróis na maldita avenida somente pioravam minha situação. Estava morrendo e minha feição carrancuda não espantava somente os espíritos ruins, mas todo e qualquer espírito a minha volta; o pouco descanso que tinha era no longo piscar de olhos, mas mesmo isso doía, pois a poluição faz tudo doer nas metrópoles. Não podia manter os olhos fechados, pois tinha de prestar atenção no ônibus que devia ter chegado há vinte minutos.
Tudo a minha volta parecia estar contra mim. As pessoas falavam alto demais, os carros faziam barulho demais, e todo o resto simplesmente ocupava o espaço de um potencial calmante vazio. Nada parecia salvar aquele dia a não ser minha tão esperada chegada ao lar, acompanhada da aspirina mais forte que encontrasse. Sonhava acordada com o momento em que engoliria aquele pedaço de fonte da juventude.
Um ônibus passa. Não é o meu. Outro. Não é o meu. Mais um. Começo a amaldiçoar o itinerário. Por fim, um ônibus para no ponto onde estou. Várias pessoas descem, algumas sobem; consequentemente ele parte. Todavia, nesse carro estava nada mais, nada menos que aquilo que mudaria por completo minha situação.
Quando o ônibus para no ponto onde você está, sempre ocorre aquela “awkward situation” em que se olha para as pessoas lá dentro, e elas olham de volta para você, e todos desviam rapidamente o olhar. É como se se revelasse um voyeur público em que todos os acusados negassem piamente a culpa. Eu sou bem diferente dessas pessoas. Gosto de olhar lá para dentro e nunca desviar-me, e me divertir com as reações sempre cômicas. Mas neste dia, bom, neste dia algo diferente aconteceu.
Meu humor dizia não, mas não consegui parar meus olhos de se moverem, e deus do céu, que sorte a minha!
Era uma jovem, que estava sentada na parte da frente, onde ficam os idosos, obesos, gestantes e o resto todo dessa laia. O cabelo cortado moyen, um pouco sobre os ombros. Os óculos rosa e grandes escondiam-lhe parte da face, e usava uma blusa salmão sob a jaqueta jeans. Aparentava ter por volta dos treze anos de idade; uma mocinha bonita e que estava me fitando lá de dentro. Quando olhei de volta para ela, ficamos assim uns segundos até que desviou o olhar, corando, mas continuei, afinal era essa a brincadeira. Ela voltou a olhar para mim, agora com maior determinação e visível esforço para manter sua posição. Resolvi acenar, e quando o fiz algo belíssimo ocorreu. A garota acenou de volta e sorriu e explodiu numa feição feliz; mas não era normal. Era uma felicidade torta, estranha, agitada. Não era vergonha, mas sim uma falta de forma absurda, como se tivesse algo de errado com seu rosto. Um sorriso excêntrico, mas ainda assim um sorriso, e irradiei numa resposta, mostrando os dentes, muito feliz. Numa questão de segundos, toda a carranca que carregava se esvaiu. Sentia-me legitimamente feliz, algo que não esperava sentir naquele dia antes tão tenebroso. O ônibus zarpou e ela continuou acenando, e eu também, como a despedida de um amigo que vê o outro partir em um cruzeiro. Meu ônibus veio logo depois, e voltei para casa sorridente, felicíssima por conta de um ato tão inocente.
É incrível como não importam os grandes acontecimentos, as pequenas coisas sempre fazem a diferença. Não importa se você ganhou na loteria, ou seu filho nasceu; o momento em que se senta no sofá e respira afinal, é o melhor. E não importa se você teve o pior dia possível, é sempre bom saber que não está sozinha, que alguém está ali para sorrir e te fazer sentir importante. Às vezes nem é tanto um sorriso, mas uma saudação, um bom-dia, um boa-noite, e indo para uma abordagem mais contemporânea, até mesmo um chit-chat numa troca de mensagens. Os problemas só são ridiculamente ruins pois sempre se misturam a alguma paranoia psicológica, e você não fica somente mal, mas sim muito mal. Ainda que os seres humanos sejam ótimos, em algum momento vão parecer a pior coisa criada, mas serão ainda adoráveis quando olhá-los com os bons e corretos olhos. Algo no seu dia lhe fará rir; alguém, digo. Nós somos seres sociais, então precisamos praticar a sociedade para vivermos felizes. Não há nada que me deixe mais feliz que chegar em casa cansadíssima e saber que Ela vai me dizer “oi”. Aguardo por isso todos os dias. Não são muitas as pessoas com quem socializo comumente, então tenho maior apreço por elas, mas entendo que, diferente de mim, elas têm muitos com quem conversar, e talvez isso as deixe um tanto neutralizadas contra a normal socialização, mas faço minha parte e as saúdo sempre que posso. Quem sabe um dia não seja eu quem fará a diferença no dia de alguém, né?
07/15
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