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    É tão estranho quando aquilo que parecia ser a única forma de escapar também perde o sentido. Os remédios deviam me ajudar, mas a pilha só cresce dia após dia, um diferente do outro, efeitos conflitantes que fazem o que já estava bagunçado ainda pior. As pessoas parecem mais distantes, ou talvez eu esteja mais distante, mas não muda o fato de que elas também não ajudam. Escrever se tornou o que faço todos os dias por obrigação. Não tem mais aquela graça de antes e agora é só pelo dinheiro, por um dos únicos talentos notáveis que tenho; e a pior parte é que sequer posso exercitar minha criatividade, pois nada deve ser do jeito que eu quero que seja.

   Talvez eu tenha chegado ao nível de maturidade que tanto temia. Tudo é sem sal, sem cor, e um exercício terrível de consumação de desejos instintivos. No geral, dói. Dói viver, dói se divertir e o mais prático, o mais simples, acaba se tornando a aparente melhor opção. Por que sair caminhando por aí se os pensamentos produzidos irão me tirar dos trilhos a que tão piamente tento me manter? Por que visitar os amigos que tem outros amigos bem mais importantes? Por que tenho de cuidar da minha única amiga como se fosse uma filha?

   Quando aquilo a que trabalhei e me esforcei por oito anos finalmente se tornou realidade, somente para logo depois escorrer por meus dedos, os sentimentos se intensificaram, e a loucura de tornar inútil um grande pedaço da minha vida agora é palpável e de péssima textura. Mas não há outra opção além de aceitar, e lutar para manter a cabeça erguida.

   Sou jovem ainda, as coisas não deviam ser mais excitantes?

   O problema é precisar de uma pílula para me sentir melhor, e nenhum desses devaneios adolescentes me faz desistir desse pensamento. Drogas tornam as coisas bem mais aceitáveis. Perder todas as suas economias da noite para o dia parece somente um infortúnio passageiro; as cartas de suicídio na caixa de correio parecem apenas desimportantes notícias que relatam o inevitável. Estou só, e vou ficar cada vez mais só conforme o tempo passa, pois todo mundo morre e sou a única azarada que tem de lidar com as consequências.

   No entanto, viver parece bem mais razoável agora, para falar a verdade. Sou nada, mas não fraca o suficiente para sucumbir ao ato último da covardia. A vida é linda, e continuará sendo quando não estiver aqui, não importa se consigo enxergar isso ou não. Continuarei vivendo, pois se não funcionou nas últimas sete vezes, não é isso o que quer o destino.

 

06/18

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